segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Marcel Mauss e o Ensaio sobre a dádiva.

Quem é Marcel Mauss?
Marcel Muass (1872-1950) nascido em Epinal, cidade situada no nordeste da França, é sobrinho de Emile Durkheim, criador da Sociologia, como Ciência; acompanhado e iniciado à cientificidade pelo seu tio. É o que diz Fernando Giobellina Brumana:

O tio não apenas se manteve bastante próximo
à formação do sobrinho como se converteu de
fato em seu mentor intelectual, e suas vidas e
obras permaneceram entrelaçadas até a morte
do primeiro. (Brumana, 1983)



Após a morte de seu tio, Marcel Mauss alça um vôo ainda mais alto e se desprende dos olhos de Durkheim. Essa nova caminhada diz respeito ao que François Laplantine diz sobre esse “pé à frente” que Mauss dá, na obra Aprender Antropologia. Aquele fala que este hoje é classificado como um homem “pluridisciplinar”. Dentro desta perspectiva, vislumbramos que Emile Durkheim utilizava Sociologia para explicar seus fatos sociais. Já, Marcel Mauss, irá dizer que os fatos sociais existem, mas, não podem ser explicados somente por uma direção; é preciso recorrer à Antropologia e à Psicologia. A Antropologia era vista como “assessório“, agora tende a ser independente.
Nosso autor vislumbrou que a realidade é complexa, é “tecido junto” como diria Edgar Morin. Com tal idéia formula um novo conceito, o “fenômeno social total”; não rompe com o “fato social” de Durkheim, apenas o insere em uma totalidade. Essa nova base teórica é explicada por Laplantine da seguinte forma:

Um dos conceitos maiores forjados por Marcel Mauss
 é o do fenômeno social total, consistindo na integração
 dos diferentes aspectos (biológicos, históricos, religioso,
 estético...) constitutivos de uma dada realidade social que
 convém apreender em sua integralidade. (Laplantine, 2003)



Essa mudança se dá concretamente na obra “Ensaio sobre a dádiva”, onde Marcel Mauss analisa as trocas de presentes em seu sentido material e em seu sentido simbólico, tudo dentro de uma generalidade, e em duas perspectivas: no direito e na economia; principalmente na costa noroeste da América do Norte, nas ilhas da Melanésia e na Polinésia. Contudo, apesar de preconizar uma Antropologia independente, mas atrelada à Sociologia, não se vale de um trabalho etnográfico, diferentemente de seus antecessores Franz Boas e Malinowski. Acarretando posteriormente críticas para tal “erro”.

ANÁLISE DO ENSAIO SOBRE A DÁDIVA

SISTEMA DE PRESTAÇÕES TOTAIS: POTLATCH

Traçaremos agora uma análise a despeito do que é esse “potlatch”. Imaginemos uma sala de aula, onde existem vários grupos distintos; neste local, tais aglomerados se relacionam de diversas formas, e uma delas, a mais importante, é a troca de presentes entre um grupo e outro, ou entre uma pessoa do grupo A e outra do grupo B. Esses presentes fazem parte de uma relação de interesses, ou seja, o que se é dado não é o alienado de todo. Por exemplo: um aluno do grupo A quer namorar uma menina do grupo B, e para tal conquista aquele deverá oferecer algo para tal grupo, mais precisamente para o “chefe” deste. Essa tal relação de conquista simboliza o Marcel Mauss explicita, que as trocas não são apenas em seu sentido prático, mas sim, também ações que geram trocas de festas, ritos, mulheres, serviços militares, banquetes, amabilidades, danças etc. isso se dá o nome de “sistema de prestações totais”. Prestações aqui estão no sentido de “relações”. As prestações totais levam o nome de potlatch, que significa, segundo Mauss: “nutrir”, “consumir”.
Explicando melhor o que foi dito, tal relação se dá entre “dar, receber e retribuir”. E mais, isto é bastante contraditório já que é uma ação obrigatória e ao mesmo tempo livre. É livre para dar, mas é obrigatório receber e retribuir; o intuito dessas práticas é gerar aliança e comunhão entre as partes. Mauss, explica:
direitos e deveres de consumir e de retribuir, correspondendo a direitos e deveres de dar e de receber. Mas, essa mistura íntima de direitos e deveres simétricos e contrários deixa de parecer contraditória se pensamos que há, antes de tudo, mistura de vínculos espirituais entre as coisas, que de certo modo são alma, e os indivíduos e grupos que se tratam de outro modo como coisas. (Mauss, 2003)


Acabamos de observar que as coisas presenteadas têm alma, estão personificadas. Outro esclarecimento:
“dois elementos essenciais do potlatch propriamente dito são nitidamente atestados: o da honra, do prestígio, do mana que a riqueza confere, e o da obrigação absoluta de retribuir as dádivas sob pena de perder esse mana, essa autoridade, esse talismã e essa fonte de riqueza que é a própria autoridade.” (Mauss, 2003)

Marcel Mauss nos dá um exemplo prático de que os presentes, as dádivas, fazem parte de um todo, “realidade e transcendental”. Descreve:
“Em todas as sociedades do nordeste siberiano e entre os Esquimós do oeste do Alaska, assim como entre os da costa asiática do estreito de Behring, o potlatch produz um efeito não apenas sobre os homens que rivalizam em generosidade, não apenas sobre as coisas que eles se transmitem ou consomem, sobre as almas dos mortos que assistem e participam da cerimônia, e das quais os homens carregam o nome, mas também sobre a natureza. As trocas de presentes entre os homens, ‘name-sakes’, homônimos dos espíritos, indicam espírito dos mortos, os deuses, as coisas, os animais, a natureza, a serem ‘generosas para com eles’. A troca de presentes produz a abundância de riquezas.” (Mauss, 2003)

 No Ensaio sobre a dádiva, há a descrição de três “potlatchs”: Potlatch tlingit; Potlatch haïda; Potlatch esquimó.
A essência desse sistema de prestações totais é a “troca-dádiva” e isso se dá mais concretamente na Polinésia. Mauss define: “não é outra coisa senão o sistema das dádivas trocadas.” (Mauss, 2003). E dá sua morfologia:
“Pois o potlatch é bem mais que um fenômeno jurídico: é um daqueles que propomos chamar ‘totais’. Ele é religioso, mitológico e xamanístico, pois os chefes que nele se envolvem representam, encarnam os antepassados e os deuses, dos quais portam o nome, cujas danças eles efetuam e cujos espíritos os possuem. Ele é econômico, e convêm avaliar o valor, a importância, as razões e os efeitos dessas transações, enormes mesmo quando calculadas em valores europeus atuais. O potlatch é também um fenômeno de morfologia social: a reunião das tribos, dos clãs e das famílias, e até mesmo doas nações, produz um nervosismo e uma excitação notáveis: os grupos confraternizam e no entanto permanecem estranhos; comunicam-se e opõem-se num gigantesco comércio e num torneio constante.” (Mauss, 2003)


Para encerrar nossa humilde análise, esse sistema de dádivas pressupõe que cada retribuição advenha de juros, “toda dádiva deve ser retribuída dessa forma” (Mauss, 2003). E que tal sistema faz circular as riquezas, as crenças, os simbolismos de cada grupo.



Brumana,Fernando Giobellina. Antropologia dos sentidos: introdução às idéias de Marcel Mauss. São Paulo. Brasiliense, 1983.
Bronislaw, Malinowski.  Argonautas do Pacífico Ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquepélagos da Nova Guiné melanésia. Tradução: Anton P. Carr e Lígia Aparecida Cardieri Mendonça. São Paulo: Abril Ciltural, 1978.
LAPLANTINE, François (1996) Aprender Antropologia. 9ª edição. São Paulo, Editora Brasiliense.

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